Publicada a 4° circular do evento X Círculo – Rodas Bakhtinianas e VII EEBA – Encontro de estudos bakhtinianos
O evento X CÍRCULO – Rodas de conversa bakhtiniana e VII EEBA – Encontro de estudos bakhtinianos – DESTERRAMENTOS: POR UM ATO HUMANAMENTE AMOROSO, em suas décima e sétima edições, objetiva dar continuidade às Arenas e Rodas de Conversa, espaços-tempos de renovação, em acontecimento único, de sentidos do nosso agir uns com os outros na realidade concreta da vida e da cultura. Tematizamos, agora, a posição extralocalizada, o olhar expandido, enviesado à constituição eu-outro, que se dá por meio do diálogo em acontecimento de relação exotópica, ou seja, no encontro de consciências equipolentes (dois centros de valor), não indiferentes uma à outra. Com suporte nessa perspectiva, trata-se, pois, de convite para pensarmos os desterramentos – palavra cunhada por nosso grupo Nepalp (CED/CCE UFSC) – como metáfora alinhada à caminhada histórica que a ilha florianopolitana já logrou, como foi caso, quando nomeada Nossa Senhora do Desterro. Imantados ao conceito bakhtiniano de “excedente de visão” (“estar fora”), provocamos o debate acerca daquilo que nos move e nos transforma, que constitui nossa universalidade e singularidade. Um encontro potente que ultrapassa a contemplação de si e/ou do outro. Promove um movimento de retorno ao nosso lugar com “excedente de visão” relativa ao outro. Dando-lhe acabamento, sem coincidir com ele; dando-lhe sentido – ângulo da arquitetônica da compreensão criadora. Peça conceitual virtuosa como desafio de compreensão das complexas questões que vêm incidindo no mundo contemporâneo sobre juízos de importância à consciência social e busca de voz própria, da palavra pessoal.
Aguardamos sua palavra, sua compreensão respondente, comprometida com a interpretação do ser social e curso de suas narrativas, de suas múltiplas linguagens em condições de existência como atos ético, estético e cognitivo (conhecimento), ou seja, do vivido vivenciamento de discursos que entram na consciência humana, a minha, a do outro.
Lembramos que a submissão do texto escrito, inscrito em um dos eixos, é condição indispensável no ato da inscrição a ser realizada de 07 a 11 de setembro de 2024. O template encontra-se disponível na página do evento https://rodasbakhtinianas2024.wordpress.com
Eixo 1: Desterramentos no horizonte da ética – por um ato humanamente amoroso
Na caminhada do existir-agir, cada ato é singular e não pode ser reproduzido, ainda que idênticos os condicionamentos de espaço/tempo. Cada ato é também peça inconclusa mediante a ausência do outro. “Eu” e “outro” são fundamentalmente diferentes, mas essencialmente próximos entre si, uma vez que são parceiros no diálogo. Para Bakhtin, o eu e o outro se constituem como centros de valor em torno dos quais se distribuem e se dispõem todos os momentos concretos do existir. Ainda, segundo o autor, “Quando contemplo um homem situado fora de mim e à minha frente, nossos horizontes concretos, tais como são efetivamente vividos por nós dois, não coincidem.” (Bakhtin, 1997, p. 43). Compreender essa realidade é compreender, como diz Bakhtin, nosso dever em relação a ela. É compreender a diferença como fundante da alteridade; a infinidade de sentidos possíveis no encontro com o novo, mas perante o qual não somos indiferentes. Na contemporaneidade, observamos o diverso cada vez mais múltiplo. O distante cada vez mais próximo. Os horizontes cada vez mais plurais. A riqueza que daí emana nos convoca à reflexão da dimensão ética do/no agir humano. É sobre esse deslocar-se em direção ao outro, visando à compreensão dialógica decorrente de nossas diferenças, que trata este eixo.
Eixo 2: Desterramentos no horizonte da estética – por um ato humanamente amoroso
Bakhtin (2012, p. 69), em Para uma Filosofia do ato responsável, afirma que o ser humano contemporâneo “se sente seguro, com inteira liberdade e conhecedor de si, precisamente lá onde ele, por princípio, não está, isto é, no mundo autônomo de um domínio cultural e da sua lei imanente de criação”. A compreensão estética desse mundo passa pela compreensão daquilo que, na acepção de Bakhtin, constitui o princípio fundamental da atividade estética: a relação do autor-criador com o herói. Nessa relação, o herói possui uma realidade diferente da realidade estética do autor, mas não indiferente a ela. Ou seja, o herói não tem um excedente de visão do todo da obra em que está inserido; tampouco do que está “fora” dela. A posição exotópica do autor-criador, seu posicionamento valorativo perante o herói e seu mundo, é materializada no objeto estético, refletindo e refratando valorações do mundo concreto. É, portanto, a posição a partir da qual é possível a construção do objeto estético. Esse mesmo princípio rege o pensamento do autor sobre as relações humanas, afinal, a obra estética tem como tema o mundo dos homens, suas decisões éticas, seu labor teórico, suas interações, seu viver. Metaforicamente, podemos pensar na atividade estética como um “Jano bifronte”, orientado em duas direções diferentes (a singularidade irrepetível e a unidade objetiva). Deslocamentos que remetam a estas questões, provocando diálogos entre o mundo da vida e da cultura – que na perspectiva bakhtiniana não se confundem, ainda que aquele seja parte indispensável deste – é o que se espera no eixo da estética.
Eixo 3: Desterramentos no horizonte da cognição (conhecimento) – por um ato humanamente amoroso
Os processos de cognição envolvendo conhecimento > compreensão > reconhecimento estão imersos de alteridade. Para Bakhtin, a consciência constitui um fato sócio-ideológico, pois está repleta de signos construídos no curso das relações humanas. Esses signos, ideológicos por natureza, adentram a consciência por meio de palavras alheias que, para se tornarem palavras nossas (próprias), são reelaboradas por meio de um processo de monologização da consciência. Assim, a consciência criadora, durante a monologização, completa-se com palavras anônimas. Depois, a consciência monologizada, na sua qualidade de todo único e singular, insere-se num novo diálogo (daí em diante, com novas vozes do outro, externas). Com frequência, a consciência criadora monologizada unifica e personaliza as palavras do outro, tornadas vozes do outro anônimas, na forma de símbolos especiais: “voz da própria vida”, “voz da natureza”, “voz do povo”, “voz de Deus” etc. No âmbito do conhecimento em sentido bakhtiniano, importa-nos por em relevo esse processo, no qual a consciência se monologiza e depois abre-se ao diálogo de maneira renovada, em ato concreto, singular, no qual se pode apreender a verdade pravda, em oposição à verdade istina, ideal universal que decorre de abstrações de situações vividas, limitando o conhecimento. Colocamos em ênfase, neste eixo, deslocamentos que permitem entrever a constituição, pela via monológico-dialógica, de conhecimentos marginais e hegemônicos em diferentes esferas da comunicação humana.